Vista de um dos painéis do ITMF, no hotel Hilton São Paulo
O que há em comum entre o piscinão de Ramos, a camisaria branca e os maiôs de natação das competições olímpicas? Tanto os produtos como o point de lazer representam os novos caminhos da indústria têxtil internacional, segundo o ITMF – International Textile Manufacturers Federation -, evento da entidade que reúne os grandes grupos produtores da indústria têxtil . O encontro, organizado pela ABIT – Associação Brasileira da Indústria Têxtil – reuniu representantes da industria que envolve tecnologia , economia e moda, em encontro de três dias em São Paulo. Estes três caminhos levarão ao futuro das coleções que serão vistas nas passarelas do mundo inteiro – com a presença de novos criadores, muitos chineses entre eles.
O tema central dos painéis e palestras teve como base a sustentabilidade e a proteção do planeta. Mas longe de ser um manifesto ecológico – até porque a indústria têxtil em geral provoca alguns danos ao meio-ambiente, graças aos processos de fabricação – o ITMF representou um marco significativo para quem pensa a moda além das tendências de cartelas de cores e comprimentos de saias. A transparência ficou mais evidente com a conclusão do evento: a sustentabilidade tem que conviver com o lucro.
Olha a quantidade de cabines de tradução simultânea, no salão do Hilton
Piscinões e encostas – a garrafa pet, matéria-prima bastante usada em tentativas de reciclagem, ainda não convenceu muito como fibra de calças jeans e camisetas por causa da falta de conforto do produto final. Se no vestuário não deu certo, em compensação, segundo Laerte Marone, presidente da ABINT (Associação Brasileira das Indústrias de Não-tecidos), a garrafinha faz parte dos geosintéticos, tecidos usados na engenharia civil e ambiental. E está presente em estradas, muros, contenções de encostas, em mantas e telas feitas 100% de pet, que devem ter duração mínima de 100 anos. O Brasil é um dos primeiros países a apostar neste tipo de geosintético, que deverá pavimentar rodovias, aeroportos, aterros sanitários e já está forrando o piscinão de Ramos e o rodoanel de São Paulo.
Fernando Pimentel, nosso líder nos eventos da Abit pelo mundo
Natação e auto-limpantes – O tecido tecnológico e sintético deve ter aplicação também no vestuário. Se as funções no setor de engenharia podem ser uma saída para a indútria têxtil nacional, falta o encanto da moda ou do vestuário, como vitrine para as descobertas do setor. As escolas de tecnologia têxtil, que incluem Centros de Nanotecnologia são soluções para melhorar a competitividade da tecelagens portuguesas, segundo Antonio Bras dos Santos Costa, do Centro Portugues de Tecnologia. Durante o painel internacional, Santos Costa confirmou a impressão tradicional que se tem da baixa qualidade da moda portuguesa e a fama da mão de obra barata. “Apenas cumpríamos as especificações das encomendas recebidas”, justificou. A solução para sair deste patamar foi apostar nas escolas especializadas nas pesquisas e na inteligência em fashion design. “Produtividade só não adianta mais. Os concorrentes são muito bons: a Ásia tem equipamentos, engenheiros europeus e trabalhadores disciplinados” definiu o palestrante, que acredita também nas pesquisas que levaram ao maiô da Speedo, que acelera os competidores nas piscinas olímpicas; na integração com a TI, como roupas que incluem celulares e GPS, os leds orgânicos, têxteis auto-limpantes. Estes, infelizmente, ainda não atendem ao vestuário: por enquanto, devem ser empregados em transportes, como poltronas de aviões, trens e automóveis. Mas já estão em experiência no Everest casacos feitos com Aerogel, tecidos de apenas 3mm de espessura, que resistem a temperaturas de 40 graus negativos. “Estamos em época de pesquisas, em que os engenheiros químicos, físicos e eletrônicos substituem os engenheiros têxteis, no nosso setor”.
John Cheh em plena palestra
Camisaria da China – o que é a roupa made in china? Barata, de baixa qualidade, copiada de coleções de marcas famosas. Pior: há a imagem de crianças e costureiras trabalhando de sol a sol, em péssimas condições de ambiente. A partir dos painéis apresentados no ITMF estas impressões mudam drasticamente. Em 10 anos (ou menos), três em cada cinco grifes famosas serão chinesas, de acordo com as expectativas. O mercado interno será prioridade, os investimentos estão sendo feitos em inovação e tecnologia, além da importação de equipamentos, segundo Tiankai Wang, vice-presidente do Conselho da indústria têxtil da China. “A recuperação econômica , depois da crise mundial de 2008 deve ser lenta. A meta é a sustentabilidade, aplicada na energia e na força de trabalho. Até 2020 pretendemos desenvolver processos para reduzir as emisões de CO em até 40%. Ao mesmo tempo, aceleramos estruturas regionais, promovendo produtos únicos e étnicos, matérias-primas da China Ocidental. E melhorar a construção de marcas.” Estas intenções partiram de um representante do governo chinês e poderiam ser encaradas como promessas para fazer bonito em um evento internacional.
Só que depois do senhor Wang falou outro chinês, John Cheh, CEO do grupo Esquel, baseado em Hong Kong. No lugar do terninho marrom surrado e antiquado de Wang, Cheh estava com terno preto de corte moderno e impecável camisa branca, sem gravata. Em vez de falar chinês, o que no seu colega provocou falhas na tradução simultânea, ele falou em um inglês perfeito e ajudou o patrício a se comunicar com a platéia. E deu a visão que faltava da moda chinesa: o grupo Esquel luta contra a poluição, usando menos pesticidas nas plantações de algodão e 25% menos de água nos tingimentos (as roupas são lavadas com jatos de ar). A camisa branca do palestrante representava justamente uma das marcas da Esquel, que é a Shirtstop, rede de lojas que se espalha pelo país. Atualmente as peças feitas em algodão enfrentam a baixa das safras, a consequente alta dos preços. “Passamos do ouro branco para o verde, já que os preços do algodão subiram muito mais do que os do ouro. Aliás, tudo sobe no setor. Não podemos mais contar com a mão-de-obra barata dos últimos 30 anos, e nem queremos crescer às custas deste tipo de trabalho. Vamos pagar pela produtividade, desenvolver máquinas multifuncionais. E apostar nos cinco E (em inglês): Ethical, Environment, Exploration, Excellence, Education (um trabalho preocupado com ética, meio-ambiente, exploração de inovações, excelência e educação)”. O resultado, que já se comprova na agilidade da fala e nas imagens da rede Shirtstop, leva a crer nas promessas de dar plano de saúde para os trabalhadores, educação e tecnologia do governo chinês. Afinal, como comentou Cheh, suas lojas não são suntuosas como as de Giorgio Armani. Mas para quem só quer comprar roupa bonita e moderna, já podem se comparar com a Uniqlo, a rede japonesa que anda se espalhando pelo mundo.
Oskar Metsavaht representou o foco em moda, com a consciência ecológica
A visão nacional – enquanto a preocupação dos empresários internacionais é com o futuro do planeta, para os brasileiros ainda há problemas na cadeia de produção. Oskar Metsavhat, da Osklen, um pioneiro no desenvolvimento de artigos ecológicos, através do instituto e. falou sobre o atraso tecnológico da tecelagem brasileira e a tendência de atrair olhares de consumidores para os produtos nacionais. Nelson Alvarenga, da Ellus, cobrou mais criatividade, para aparecer no cenário internacional.
No final do ITMF sobram algumas lições para o público consumidor. Primeiro, que sustentabilidade anda junto com o lucro para as marcas. Segundo, que faz muita diferença para o meio-ambiente seguir regras como lavar menos a roupa; se lavar, sempre com água fria; secar em varal e doar as peças velhas. O uso da roupa gasta muito mais água do que a produção. E enfim, quando se falar de moda na próxima década em diante, vamos pensar em tecnologias inovadoras e pesquisas de design feitas em escolas cada vez mais especializadas. Quanto ao chamado consumo consciente, ele estará interessado em etiquetas com códigos de barra, que contenham toda a história de cada peça, onde foi feita, com que materiais, por quem foi confeccionada. Tomara que o tecido auto-limpante seja logo aperfeiçoado, já que lavar roupa será um ato mal-visto pelos vigilantes do meio-ambiente.