Quando acabam as principais Fashion Weeks do mundo, a tradição quase obriga a um resumão, um ataque de xamã (com guizos e tudo) prevendo o que será vestido no Futuro. Mas cheguei à conclusão que podia selecionar alguns momentos mais diferentes, divertidos ou estranhos. No fundo, eles é que nos acordam da monotonia, por serem originais. Sabem aquela característica da moda? Quase tudo o que achamos horrível hoje, daqui a três meses estamos loucas (loucos) querendo ter igual.
Para começar…
Há uma parte da criação que cai na categoria conceitual. Serve para anunciar ou reforçar uma tendência. Um bom exemplo: esta fofíssima vestimenta de poás assinada por Dingyiun Zhang para a Marni. E há quem acuse a moda italiana de ser comercial demais.
Falando em orientais, há uma mania pelos fox eyes, os olhos de raposa. A Dra. Samanta Bussolaro, da Clínica de Estética Avançada Bequeen redesenha o formato dos olhos com a toxina botulínica, que ao mesmo tempo relaxa os músculos ao redor dos olhos, levanta a cauda das sobrancelhas e suaviza as linhas de expressão. Tudo pela beleza. Aquela velha expressão “até com injeção na testa” deixou de ser absurda.
Mais uma que tem a ver com o outro lado do mundo: o grupo LVMH, a Hermes e a Gucci estão reforçando os contatos com os fornecedores artesanais do Japão, principalmente os que lidam com técnicas de esmalte, tingimento do índigo e trabalhos com folhas de ouro. O problema é a diferença de timing entre a pressa dos grandes grupos europeus e a lenta tradição perfeccionista dos orientais. Esta estratégia já faz parte da linha Métiers d´Art da Chanel. Há muito tempo a marca compra a arte das plumas e bordados do Lesage, Os chapéus da Maison Michel, a joalheria Goossens, as flores e bordados do Atelier Montex e Le Marié, os plissados do atelier Lognon. Prestigia a arte francesa. Enquanto os outros vão atrás da sabedoria japonesa.
Sempre é bom combinar novas tecnologias ou novas ideias com referências clássicas de certas marcas. A Elsa Schiaparelli se destacou nos anos entre as duas grandes guerras. Amiga dos artistas que viviam em Paris naquela época, aproveitava palpites de Salvador Dali, por exemplo, que pintava relógios, lagostas, sapatos em suas obras. Daí, que Daniel Roseberry, atual diretor de criação, lembrou de pendurar uma lagosta dourada sobre o vestido preto. Até que o vestido era bem interessante, no desfile para este ano.
A outra volta é estratégica: depois de lançar coleções mais discretas, visando o conforto, sem muito sucesso, a Victoria´s Secret deu a notícia de um plano B: a marca terá lojas mais bonitas, vai entrar em novas categorias e voltará às origens. Isto é, às calcinhas e sutiãs sensuais, em rendas preciosas, transparências ousadas, em tamanhos variados. Um dos executivos usou o argumento do momento: “sensualidade é inclusiva”..
Outra marca tradicional se deu mal, apostando só na qualidade dos produtos. As ações da alemã Birkenstock caíram na Bolsa de Nova York. Qual será o plano B deste calçado famoso, que já complementou desfiles do Rick Owens e da Dior? Confesso que sou mais a papete da Kipling.
Se o Jacquemus esgota as bolsas prateadas (no mundo e aqui, na Farfetch), a coisa vira obrigatória em todas as marcas de acessórios. Uma das mais conceituais (leia-se inútil, porque cabe quase nada) é a mini bolsa Pétala prata da Coperni. Vai ver que esgota, mesmo que por 590 euros (R$ 3.150).
A outra proposta não chega a ser novidade. É a boot, tipo coturno, da marca alemã Tamaris. O estranho é que é vegana (não me perguntem como, nem os guizos souberam responder), mas tem lindas fivelinhas prateadas e a indicação da marca é para usar no trabalho (office), encontros com namorados (date night) e para sair a qualquer hora do dia ou da noite. Deixem os escarpins no bazar da igreja, por favor. Sempre acho que peças veganas a qualquer momento vão começar a brotar (anda acontecendo com as bolsas feitas de núcleos de cogumelos)
Quanto à moda masculina vista nestes dois meses, prefiro deixar os comentários para o Jose Gayegos, mestre que trabalhou com Dener e faz sábias definições no Facebook.. Mas há dois pontos fortes, dentro de um mesmo estilo: as letras góticas nas palavras estampadas. E as frases-manifestos, em geral, machistas. Como a assinada por Willie Norris para a Outlier, onde se fica sabendo que “homens de verdade não comem quiche”. Eu, heim.
Enfim, ainda bem que John Galliano continua à frente da Maison Margiela, com variações do básico trenchcoat, vestidos pretos de golas brancas e propõe os distressed jeans, que são os Levis desgastados, clássicos tanto na forma como no tingimento. Relembrando o currículo do Galliano, conclui-se que seus desfiles eram loucos, espetaculares, mas as coleções sempre foram elegantes e impecáveis.
Um dos meus favoritos, Rick Owens, parou com os happenings e apresentou um conjunto de peças colantes, sedosas, à primeira vista estranhas, pelos ombros pontudos, as golas que sobem, o exagero no ajuste. Mas são primores de costura, como afirmou Tim Blanks, editor no Business of Fashion, que o considera um dos grandes talentos da moda atual. Eu também.
Aliás, falando em desfile, ainda está para ser produzido um mais lamacento do que o Balenciaga do ano passado. Não canso de imaginar o que a plateia deve ter achado. A moda suja os sapatos dos convidados, mas diverte.