grupo da Valencio Lemes

Casa dos Criadores, um estilo

O evento dirigido por André Hidalgo resiste à concorrência de outros festejos da moda nacional, por uma razão básica: identidade. Ou porque aceita todas as identidades, o que dá um aspecto de ineditismo, de brincadeira e de arte, sem priorizar a venda. Neste lançamento de inverno 2008, que só não foi o primeiro nacional, porque aconteceu antes o Oi Fashion Tour em Belo Horizonte, o compromisso comercial foi ensaiado, graças à parceria com o Clube da Moda. Neste bem-sucedido show-room multimarcas, dirigido por Fernando Cunha, há a vantagem da visão deste empresário. “Posso esperar até que eles façam sucesso. Depois do evento vou conversar com eles, dizer o que está errado.
Podem fazer algo incrível na passarela, e devem levar um pedaço disto para a roupa comercial”, comentou o Fernando no lounge onde também expunha as outras 19 marcas do Clube. Quer dizer: a parceria tem tudo para dar certo.

Desfiles
Do projeto Lab, que lança gente nova:

André Phergom
Ex-estilista da Ezekiel, nos Estados Unidos, André foi bem no masculino, quase todo em pretos e cinzas, listrados garrafeiros. Destaque para a camisa risca-de-giz com falso colete preto, detalhe que aparece também nas costas. Para as mulheres, casacas. Para todos, calças de gancho baixo, de malha. No make, máscaras negras feitas com sombra. Conclusão: um conjunto de looks simples à primeira vista, cheios de detalhes interessantes


Raquel Gaeta
O livro Carol, de Patricia Highsmith inspirou Raquel nas garotas de óculos e coquinhos bem-comportados, de pantalonas, tops franzidos, bermudas de oncinha, saias em panos, mais bermudas cheias de detalhes, uma espécie de alfaiataria bem trabalhada, com ingredientes das linhas casuais.
Conclusão: nível profissional, no caminho de Mark Jacobs
Valencio Lemes
Quem assina o estilo masculino é Karen Lemes, autora deste conjunto com referência em Kafka. Mais complicado, mais conceitual que os anteriores, mas promissor pelo trabalho de recortes, pedaços, abotoamentos. Como se cada peça fosse uma montagem de recortes.

Conclusão: vamos ver as próximas coleções da Karen, para ver como ela resolve o lance da comercialização

Os desfiles da Casa dos Criadores, fora do Projeto Lab: Tony Jr.
Zuzu Angel foi a musa das misturas de tacheados e estampados. Coerente com a história trágica da estilista carioca, Tony fez uma leitura dark, sem tantas cores fortes. O tom de inverno aparece nas capas-pelerines em espinha-de-peixe violeta


Prints I like
Luiza Aguiar desenha bem, compõe de forma cativante a coleção nos croquis. Entre frajados de faroeste e muitos babados, Luiza foi a participante que apostou no jeito arrumado, sem pretensões a looks conceituais. A beleza assinada por Juliana Munoz foi ponto alto, pelos cabelões lisos e longos, as bocas bem desenhadas. Apesar da grife falar de prints (estampas), o melhor foi a série de vestidos com alças franjadas, feitos para dançar. Aposta em calças de cós alto


Werder Silveiro
Sabem quando o destaque de um desfile é o acessório? Pois foi o que aconteceu com o Werder, porque os sapatos altos, com estilo Adidas, chamaram a atenção da platéia e quase ofuscaram os vestidos com acabamentos de rolotês de contas nos decotes e cavas. Mas são bons os vestidos com franzidos na frente, as saias torcidas e as calças de alfaiataria, ainda uma opção de cós baixo. Só que de novo, os acessórios saíram na frente, porque os pulseirões foram disputados no foco dos fotógrafos

Rober Dognani
Rober é vitrinista, daqueles que faz mágicas com um centímetro de tecido. Deve ser o estilista ideal para uma necessidade urgente: compra-se uma renda ou uma seda deslumbrantes, e ele monta um longo elegantérrimo. Nesta estação, deu prioridade aos repuxados em xadrez, pretos, plumas, zibelines e tafetás chamalotados. Na beleza, cabelos desfiados e sobrancelhas finas


João Pimenta
Se vale ir para Paris só para ver os desfiles de John Galliano, Vuitton e Chanel, vale ir para São Paulo para admirar o show do Pimenta. Porque primeiro, se vê o espetáculo, depois, aos poucos, nota-se a moda em si. Dos índios americanos saíram os casacos, as calças em patchworks diferentes. Sempre com adereços alegóricos, como as mochilas ou pacotes levados nas costas, os cabelos volumosos, quase rastas. Depois da seção navaja, veio a ala roqueira, com um avatar de David Bowie à frente, mostrando as calças-ceroulas (de cós baixíssimo: na altura dos joelhos), o black jeans e as aplicacões de espetos metálicos. No final, a beleza do tecido com estampa de renda flocada preta.
Além do trabalho de criação de roupas, o desfile demonstra o bom-senso do estilista, que integrou bolsas e mochilas da Puma, um dos patrocinadores master da Casa dos Criadores, nos looks, sem perda de conceito. A maquilagem tatoo, de autoria da equipe First também merece destaque

Conclusão: em dois dias, a Casa dos Criadores se afirmou como lançadora de talentos. Sem cara de trabalho amador, diga-se de passagem. Pulei o terceiro dia, porque era preciso voltar ao Rio. Aliás, esta é uma contingência a contornar nos eventos, a falta de tempo para a imprensa se deslocar para outras cidades ou estados. Nesta semana, tivemos a agravante do hotel não estar preparado com internet decente (ou era discada no quarto ou tinha um desktop com Windows 98 e um único cabo de rede em um business center que fechava à meia-noite). Fico preocupada com janeiro: teoricamente, a maratona de lançamentos de inverno começará no dia 7, com o Fashion Rio; continua com a São Paulo Fashion Week e encerra na Fenin, em Gramado. Quer dizer, o mês inteiro fora de casa ou da redação, para quem não mora em nenhuma das cidades lançadoras.