Casa dos Criadores 23

André Hidalgo confirma o talento de fazer muito com pouco. Os recursos da Casa nem se comparam com uma São Paulo Fashion Week ou um Fashion Rio, mas tem muita dignidade e originalidade o evento que nasceu há 23 edições como Semana da Moda e se consagrou como Casa dos Criadores, em São Paulo, depois de algumas edições memoráveis no Cais, no Rio.
Há sempre uma evolução, uma diferença a anotar. Desta vez, pelo menos no primeiro dia (ou noite, já que começa às 19h), notou-se que os participantes estão muito mais preocupados em criar roupas usáveis do que inventar peças esdrúxulas e engraçadas. Claro que haverá sempre uma Tudi Cofusi, com um jeitão menos convencional, mas alguém tem que fazer algo assim, para ser o lado delirante e promissor da temporada.
O patrocínio inclui o shopping Frei Caneca, onde se realizam os desfiles e as apresentações de bandas, e a Brastemp, que teve suas novas e coloridas geladeiras vestidas pelos estilistas. Senti falta da Puma, que da última vez lançou bolsas com reforços de madeira, que agora estão à venda nas lojas-conceito da Puma (Barrashopping tem uma, a Garcia d’Avila tem outra) e do show-room que também estava presente na edição de inverno.Voltem à Casa, por favor.

Os desfiles

Gustavo Silvestre
Estampa em listras lembrando galões e silhueta com panejamentos retos na frente ou nas costas, dando movimento. Com esta base, Gustavo faz vestidos-túnicas, macacões tomara-que-caia, usa o tecido pelo avesso em calça drapeada, aberta nas laterais das pernas. Para os homens, uma pólo com galão no abotoamento. Belos sapatos da Francesca Giobbi, com saltos vasados e amarrações de cordinhas coloridas (que, na passarela, teimam em desamarrar).

O melhor: os galonados são bons, mas o vestido curto dourado adamascado, com mangas de renda é ótimo

Gustavo é barbudo, tem visual de garotão, parece mais roqueiro do que estilista

Tudi Cofusi
Começa com o Assim falou Zaratustra, apoteótico, e abriu com figura feminina de cirê preto, segurando galhos dourados. Não vale saber a história pelo press-release, melhor sacar que por trás de muita fantasia há idéias objetivas, como o casaco de malha estampado, os macacões curtos, a graça dos pregadores dourados arrematando barras de saias de malha. Melhorou muito, e virou indispensável, pela irreverência e idéias com futuro, a Tudi Cofusi. Está menos cofusi.
O melhor: as roupas são interessantes, mas a maquilagem domina, com aqueles cílios coloridos. Quase uma Patti McGrath, que faz Dior


ADD (Attention Deaf Disorder)
Será que o autor, Faissal Makhoul, é surdo, como sugere o nome da marca? Não conferi, mas gostei muito da moda masculina que ele apresentou. Calças estreitas, de gancho baixo, blusões com estampas de losangos, com bermudas; blusões com sutil degradê azul nas sanfonas de mangas e cós, uma série de camisas com listrados em base preta. Como complemento, colares de contas, como os árabes gostam, e tênis tipo Van. Uma estampa de camelinhos reforça o conceito desértico
O melhor: Faissal tem bom acabamento, boa coordenação na coleção. Está pronto para o mundo e passarelas maiores. Na verdade, não tem nada demais, mas é muuuito bom. Roupa pra homem


Diva
Andréa Ribeiro é outra que daqui a pouco bate asas da Casa dos Criadores. Aliás, é assim que funciona um evento de novos: fornece nomes para os grandes shows. E vai descobrindo outros. Andréa, com a trilha nacional do Hisato, começando pelo Carinhoso, agradou com uma linha navy cheia de pregas religiosas (horizontais) e arremates de babadinhos pregueados em vestidos tomara-que-caia e boleros. Usou lenços de seda, à la Versace nos anos 80, tanto em vestidos como em ótimos chapéus-lações, que entusiasmaram o Diaulas Novaes, outro criador de chapéus, na primeira fila. O coral também foi explorado, com botões dourados, em vestido com lacinho no decote. Tudo curto, jovem, apesar de referendado nos anos 60.
O melhor: tudo uma fofice, mas destaco uma blusa de flores, bacana por ser feita em tecido leve, mas ter uma pala de trench-coat nas costas. Linda, o visual de beleza do Ricardo dos Anjos. Mas isto não é novidade, ele é show


Marcelu Ferraz
Todos os desfilantes declaravam qual era seu lado B, na apresentação. O Marcelu declarou que era ir para o Rio todos os fins de semana. De lá, ele trouxe uma combinação de Mr. Wonderful, Bee e Yes, Brazil, e fez uma ótima coleção masculina. Muita gente, como a Marisa Macedo Soares, na fila A, comentou que usaria tudo do estilo do Marcelu, mas deve haver mercado masculino ávido por camisetas com estampas de araras e tucanos, bermudas de laise branca, regata com estampas localizadas de flores e borboletas. Sem falar nos sapatos Oxford de verniz em cores pastéis e longos bicos finos. Ou nas bolsas, lindas, entremeadas com as estampas tropicais, perfeitas para os fins de semana do Marcelu no Rio. Ah, e tem a proposta de carteira, carteira mesmo, tipo retângulo, em couro, para os senhores cansados de encher os bosos com chaves, celulares e cartões.
O melhor: todo o conceito, sem medo de ser gay

Walério Araújo
Estava com a agenda
estourando, o celular apitando, a internet falhando, mas vim neste primeiro dia, por causa do Walério. É sempre uma surpresa, em geral, uma diversão e uma espécie de tradução do clima atual da moda, o desfile deste cara que anda de salto alto melhor do que muitas mulheres. Pode ser considerado o Rei dos Armarinhos, porque usa como ninguém todos os paetês, plumas, continhas, passamanarias e o que mais houver de aviamento antigo ou moderno. Na fronteira do carnaval, às vezes. Mas desta vez, foi um luxo. A começar por um elenco de tops, como a Bruna Sottili e a Renata Klem. E pela astúcia de propor duas versões dos modelos: primeiro, longos, depois curtíssimos, valorizando as pernas e os sapatos do Fernando Pires. Vestidos de babados em tom pele-morena; franjas de correntes douradas, tons de magenta e falsos changeants em tons de marrom (eram camadas de tecidos), rosas de tecido (olha o armarinho aí) contornando um poncho. Estes são alguns detalhes da coleção, que contou com a cantora Claudia Leite no elenco.
O melhor: a identidade do Walério, que aposta no luxo, com humor e criatividade.

Na platéia: é sempre advanced, acho até que daqui a pouco vão raspar as tatuagens, que surgiram primeiro no evento do André Hidalgo, mas agora viraram lugar-comum. Ainda estão presentes nos braços do público, mas nota-se que a referência na Amy Winehouse é muito forte. Cabelos desfeitos, volumosos e olhos delineados denunciam a adesão.

Casa dos Criadores
Terceiro dia

Demorei, mas cheguei ao terceiro dia. Estava cheia de curiosidade, para ver como seria o heliponto do prédio onde fica o shopping Frei Caneca. E como seria contornado o desfile com o frio de 12 graus e a chuva insistente. Claro que não foi: a platéia subiu as escadas, constatou que estava um vento gélido, e a mesma escada que subíamos servia para as modelos enregeladas, de roupas de verão, descerem. Valeu para ver a vista paulistana, apesar da chuva.

Este terceiro dia comprovou que há muita qualidade na Casa dos Criadores. Os novos são inexperientes, ainda sem produção, mas se souberem desenvolver as idéias, vão longe. Estes foram os últimos participantes da 23ª edição da Casa dos Criadores:


Gêmeas: a dupla Carol e Isadora Foes Krieger começou com ótimas blusas bordadas em ponto de cruz, um pouco nostálgicas, antiguinhas. As meninas sentavam em cadeiras e liam livros, enquanto outras modelos passavam de vestidos pretos com passamanarias douradas. Colares com curvas douradas movimentavam a frente dos vestidos e blusas de vichy amarelo e preto com saias brancas, mais curtas na frente.
No final, uma das gêmeas veio agradecer os aplausos, portando uma bela bolsa Chanel


Purpure: da dupla de estilistas Weider Silveiro e Mark Greiner conheço este último, das roupas que criou para a Santana Têxtil expor em uma Premiere Vision. Eram tão elaboradas, que julguei que fosse algum garoto inglês, recém-saído da Saint Martin. Era o Mark, de Fortaleza. Que fez um misto de maiôs e biquínis em cirê, com babados, de onça com shorts de babados, casacos –vestidos de cetim verde com gola alta e punhos de vinil roxo. Correntes douradas decoram pantalonas, borlas de seda enfeitam os sapatos e imitam dragonas de general.

Ianire Soraluze: a moça de nome estranho homenageou os palhaços com formas volumosas em tecidos com relevos, pantalonas de cintura alta, em jeans. Vestidos com peitilho e babados na barra, listradinhos, se destacaram. Bons looks, bom conjunto. Garotas de longos cabelos lisos e chapéus altos, com flores, botinhas anabela, completaram o desfile

André Phergom: bastante jeans nesta coleção, atenção dada tanto ao feminino como ao masculino. Bermudas, calças com reforços nos fundilhos, para eles; vestidos de cintura marcada e botõezinhos, Modelagem com dobras, cores fortes, em ponteiras de acrílico nos colares, um longo branco com barra azul. No make, Ricardo dos Anjos pintou escorridos coloridos, saindo dos olhos, canto dos olhos, um pouco vampiro-pop.


Prints I like: um destaque da Casa, as idéias da Luiza Aguiar. Flores e borboletas em fundos roxos e azuis, babadinhos arrematando mangas e saias. As sandálias de verniz da Meline Moumdjian combinam azul e laranja, o vestido de renda preta tem forro vermelho. As estampas foram tiradas do livro Into the Nature, de Katharina Jung.


A.nimal S.treet H, mais conhecida como Ash: Guil Macedo e Roberto Leme têm jeitão de grafiteiros, passam este jeito meio borrado para as roupas que assinam. Pintam gravatas, fazem biquínis com estas gravatas; estampam caravelas (águas-vivas grandonas), tubarões e mergulhadores, rabiscam por cima, transformam os desenhos de mar em manchas e temas abstratos. O conceito preservacionista tem o mote Viver perigosamente. São bons desenhistas, mas faltou moda.