Demorei para comentar, porque tinha que pensar um pouco no fato. Claro que me refiro à troca da Eloysa pelo Paulo, no comando do Fashion Rio. Já escrevi em página dupla no Jornal do Brasil, mas é matéria quase factual, sem muita opinião. Mas do jeito que acompanho a trajetória dos dois maiores empreeendores do setor de eventos de moda do Brasil (quiçá do mundo, porque conheço poucos eventos liderados por nomes), tenho que me atrever a comentar mais de perto.
A princípio, acho deselegante a maneira como Eloysa Simão foi dispensada, via carta. Ou a maneira subreptícia como que foi armado o processo. Seria ingenuidade da minha parte pensar que isto não se faz, quando todos sabemos que diariamente, no mundo inteiro, há demissões, rasteiras e puxadas de tapetes. E o fator surpresa parece ser imprescindível.
Portanto, esta deselegância faz parte do universo profissional, assim como o assédio sexual, o atraso nos salários, as recomendações e o pouco reconhecimento de valores.
Quanto aos motivos, ficaria tudo nas possibilidades e hipóteses. Nem vamos perder tempo com estas elucubrações. Vamos em frente. Prefiro falar das diferenças entre os eventos.

O Fashion Rio tem um aspecto mais improvisado, porque se realiza em tendas. As únicas tendas que conheci que tinham acabamento perfeito, mas eram metade do tamanho das do Fashion Rio, foram de um evento no Park Shopping, de Brasília. No mais, tenda é uma barraca gigante.
A São Paulo Fashion Week é sólida, porque se realiza dentro do prédio da Bienal, no Ibirapuera. Se fosse em tendas, elas não suportariam um dia de evento, porque o clima paulistano, cheio de chuvaradas, raios e ventanias, derrubaria tudo em menos tempo que um desfile. É muito bom ter um prédio, paredes, portas.

O Fashion Rio mostra coleções mais diversificadas, mais personalizadas. Sem perder o foco comercial, na maioria dos casos. A moda praia tem aspecto espetacular, sem perder o encanto dos modelos, que são referências
Em São Paulo há preocupação com as tendências internacionais. O risco de produzir cópias é grande, e há casos em que até a ambientação da sala é igual à de um estilista internacional. Mas há também exemplos como a Ellus, que poderia estar em qualquer semana de moda do mundo.Ou Lino Villaventura e Ronaldo Fraga, representantes do estilo conceitual, que fazem valer a pena o deslocamento até São Paulo para assistir aos espetáculos que apresentam

As entradas no Rio são organizadas. Convidados fazem fila de um lado, imprensa fica do outro.
As entradas em SP são caóticas para a imprensa. Por que é preciso ser esmagada para entrar nas salas? Ah, é para ficar igual às entradas de desfiles parisienses.

No Rio, as bolsas são disputadas, quando não são roubadas.
Em SP, os brindes são disputados, quando não são roubados. Aliás, estas duas linhas acontecem no mundo inteiro

No Rio, os patrocinadores obrigam a um repetitivo exibir de filmes publicitários e vinhetas, sempre iguais, antes de cada desfile
Em SP a solução é melhor, em geral com animações divertidas e músicas variadas.

A sala de imprensa no Rio é maior e com computadores melhores
Em SP, a sala de imprensa tem comidinhas que atenuam a pouca potência do wifi

No Fashion Rio, alguns desfiles acontecem fora da Marina da Glória, em geral em lugares sem estacionamento, bonitos mas caóticos para quem mora na cidade e pretende ir de carro
Na SPFW alguns desfiles acontecem fora da Bienal, em geral em lugares sem estacionamento, interessantes mas que obrigam a passar às vezes mais de uma hora dentro de uma van sem ar condicionado, no meio do trânsito paulistano

Afinal, qual dos dois eventos é o melhor? Depende da temporada. Ao contrário de muita gente que afirma que São Paulo tem o maior evento, o melhor, o tal, da América Latina, sei que isto é um poder de marketing sem muita base. Na Colômbia tem algo muito grande e bom, no México também. Depende da temporada, o Rio é melhor, mais original. Ou São Paulo tem um impacto maior, coleções incríveis.
Todas estas comparações significam apenas uma parte da importância dos eventos. O que interessa é a coleção, ou as coleções. De nada adianta eu ou alguma das colegas incensar ou arrasar um estilista, se o trabalho dele não chegar até a ponta final do consumo. O que nossas marcas precisam é disto, de consagração nas ruas, que são as melhores passarelas.

Ouço muitas meninas dizendo com orgulho que compraram uma calça na Farm, ou na A-Teen, marcas que nunca pisaram em passarelas. Também noto que a Osklen e a Lenny são sonhos de consumo, assim como a Espaço Fashion ganhou um novo status, depois que entrou para a agenda de desfilantes. É um vale-tudo, do qual ninguém tem a receita do que vai dar certo. Entre Eloysa Simão, que conheço desde os anos 80, como repórter no tempo em que a editoria da revista Domingo estava na minha mão, e Paulo Borges, que admiro desde que vi nos primeiros Morumbis Fashions, cumprimentando cada repórter pelo nome, sei que são dois grandes profissionais, que lideraram equipes muito importantes para uma etapa da moda brasileira. Eles organizaram o mercado lançador, criaram um patamar de prestígio para as marcas nacionais.

Prestígio só, não vende. Todos conhecem grifes que desfilam, fazem campanhas cheias de estrelas e…faliram. Todos lembram da febre dos grupos, que fizeram e aconteceram há um ano, e eram ilusões, se desfizeram em alguns meses. Tem muito trabalho, muita ralação, abnegação e bom-senso neste tal negócio de moda. Evento é importante, como uma vitrine de propostas. Vamos ver o que acontece agora nas semanas de moda brasileiras.

Ah, uma questão: alguém acredita que São Paulo abriria mão de ter dois eventos, um de verão, outro de inverno? Alguém apostaria que o Rio sobreviveria tendo apenas um evento de verão? E o Rio Summer, fica onde? E o Fashion Business, que é da Dupla e da Escala?
Vai ser um ano intrigante, este.