Vestido em couro vermelho, com trabalho de tirinhas como bainha aberta e barra lembrando roupa de flamenco, no desfile de Reinaldo Lourenço
Foto Ines Rozario
Tudo vai bem quando acaba bem, parodiando Shakespeare. Esta edição-de-risco da São Paulo Fashion Week teve o privilégio de contar com o belo show do Reinaldo Lourenço no encerramento. No teatro da FAAP, tipo de sala que nem sempre funciona para desfiles, apenas o palco com a cortina fechada, no espaço entre ela e a plateia, as modelos vinham em trios, davam volta de 360 graus e saíam, quase sem grandes movimentos além das passadas. Amo estes minimalismos! A roupa, com base em espanholagens – toureiros, Andaluzia, dança flamenca – reuniu couros inacreditáveis em vestidos de barra de babados e falsas bainhas abertas, feitas com tirinhas do mesmo couro. Muito vermelho (olha o flamenco, olé!), muito bolero e calça justa (olha el toreador, olé!), muita beleza. Um final feliz para este lançamento que foi antecipado de janeiro para outubro, ordem meio traumática para a maioria dos participantes habituais. Por exemplo, não compareceram na agenda: Iódice, Cavalera, Jefferson Kulig, Neon, Animale, Juliana Jabour…
Perderam, amigos, a oportunidade de mostrar seus trabalhos em um evento simples, distante, reduzido, até mesmo pobre. Mas muito eficiente, porque focou no que interessava: a moda vista em coleções que não denunciaram precariedade nenhuma e a plateia quase toda profissional.
Claro que, tirando o heroísmo da realização, há considerações a fazer. Mais uma vez, noto a tendência da SPFW de se transformar em uma semana de alta costura ou de moda de ateliê. Poucas marcas desta semaninha de quatro dias são realmente de quem precisa vender no atacado e necessita um prazo antecipado para mostrar seus produtos e planejar melhor a entrega. Louve-se o grupo catarinense AMC, que compareceu com todas as marcas, e muito bem: Colcci, Forum, Tufi Duek e Triton passaram muito bem. São âncoras da ala industrial. Já Lino Villaventura, Fause Haten, João Pimenta, Samuel Cirnansck, R. Rosner poderiam perfeitamente formar uma temporada de alta costura ou ateliê.
A dimensão dos lugares de desfile também é um ponto a pensar. Por uma questão de egos, sensibilidades, energias, ao longo de algumas décadas acompanhando a moda em geral, nacional e internacional, noto que há um processo que se repete diante destas restrições de convites. Lembro de dois exemplos básicos: Kenzo, nos anos 80, era um convite difícil, fechava as portas das salas para brasileiros, japoneses, e todas as supostas legiões de copiadores. Saiu das tendas grandes (ainda não existia o subsolo do Museu do Louvre), passou para o show-room, para garantir uma plateia seleta e que ninguém soubesse onde era o desfile. A butique na Place des Victoires tinha seguranças na porta, para impedir que passantes fotografassem as vitrines. O que aconteceu? Ninguém mais se interessou por Kenzo, a marca foi vendida no final dos anos 1990, já passou por três designers – um deles até acertou a mão, o Antonio Marras, mas também dançou – e o próprio Kenzo Takada tentou relançar uma grife, sem sucesso. Vive como celebridade, criando desenhos para porcelanas, etc.
Outro destes, Claude Montana. Nos anos 1980, fazia desfiles como nunca mais se viu. Verdadeiros shows teatrais, que superlotavam a tenda montada no local onde hoje é o Forum des Halles. Mas também começou a expulsar fotógrafos sem credenciais, considerados espiões de outras marcas. Ora, vamos combinar, quem copiaria aqueles casacões de lã, com caudas arrastando na passarela, as calças-bombachas, os vestidos de couro, numa época em que nas ruas só se via jeans e jaquetinhas de nylon? Todos queriam ver o espetáculo, sem se ligar muito na moda. O que aconteceu? Os fotógrafos começaram a boicotar o Montana, a deixar as câmeras no chão durante o desfile. Cadê o Montana, agora? Fez Lanvin, não funcionou; tenta relançar o nome, dá pena assistir, porque não há mais dinheiro para aqueles desfilões.
Vamos pensar um jeito de não fechar as portas para uma plateia que se abala de casa, muitas vezes, voa horas e horas para assistir aos eventos. Nós não somos Paris, Milão ou Nova York. Temos que formar nossa tropa de elite, que se sinta parte de um movimento forte da moda brasileira. E não enveredar pelo perigoso caminho de angariar sentimentos de rejeição e desprezo, que se transformam em silêncio ou represálias de pessoas que justamente se sentem boicotadas, como se no mínimo não representassem cidades com poder de consumo. Ou pior, como se suas opiniões não merecessem respeito.
Ah: quanto ao mundo. Hoje em dia, turistas, jornalistas, espiões, todos portam suas Canons e Nikons (não são mais simples celulares e camerinhas-sabonete) e fotografam vitrines na fuça dos seguranças, que nem se abalam para impedir. A Zara e a H&M produzem roupas tiradas das coleções, muito antes dos criadores conseguirem produzir as suas. Os convites continuam disputados e restritos, mas em compensação, as grandes grifes disponibilizam os desfiles live, isto é, on line, ao mesmo tempo em que ele se realiza. Ali, na hora, com todos os detalhes da sala, a chegada dos convidados. Quem quiser espiar, acompanhar, copiar, sinta-se à vontade.
Na semana que vem, temos Fashion Rio no Pier Mauá e Fashion Business em São Conrado. Depois, o MInas Trend Preview. O que não falta é moda neste país.