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Colega de imprensa Tarcisio d´Almeida lança ótimo livro de entrevistas com gente importante no universo da moda. Tive o privilégio de receber a prova, e recomendo Moda em diálogo / entrevistas com pensadores, pela editora Memória Visual, que está em semana de lançamento em várias cidades do país.

Só para despertar um desejinho, seguem algumas perguntas e respostas da entrevista com a pesquisadora Valerie Steele sobre um tema forte: o fetiche.

livro capa 1D’Almeida: O sonho é uma espécie de “pré-fetiche”?

Steele: Sim, com certeza. Um fetiche, como diz o psiquiatra Robert Stoller, é o símbolo de toda uma história, como um objeto e uma fantasia, é aquilo que está por trás da realidade de um determinado objeto, podendo simbolizar, digamos, uma simples mulher ou uma ardente mulher, calçando botas de salto alto e caminhando em sua direção, deixando homens e mulheres excitados ao ver as botas.

Os sonhos, obviamente, podem ser uma expressão da fantasia, e você pode ter fantasias encantadoras e outras que fazem com que você cumpra com seus rituais.

D’Almeida: Qual a relação entre fetiche e erotismo?

Steele: Erotismo tem muito a ver com fantasia e com aquilo que as pessoas julgam ser eroticamente atraente. O que é um tanto diferente do fetichismo é que este tem uma característica de obsessão e se concentra num determinado objeto, seja parte do corpo, seja peça de roupa ou qualquer outro objeto ou ritual; ao passo que o erotismo, de modo geral, tende a ser mais difuso e sempre haverá muitas coisas e não uma só que podem excitar na pessoa-objeto.

D’Almeida: O fetiche é uma espécie de sistema de semelhanças e diferenças, que são estabelecidas por uma linguagem própria. A sra. acredita que, além de sacrificar o antigo conceito de elegância, em moda, o fetiche impõe atualmente seus ditames ao próprio corpo? Steele: O fetichismo, com certeza, exige um tipo de apresentação ritualística e até mesmo uma certa elegância, que está mais ligada aos ideais culturais de status e feminilidade. Tende a ser mais relacionado não a um modelo mais primitivo, mas a um modelo ritualístico de comportamento, de modo que o cerne do fetichismo – quer as coisas ocorram uma, duas, três vezes exatamente da mesma maneira – seria diferente de um namorico comum, no qual você não sabe exatamente para onde as coisas estão caminhando, o que é parte de seu encanto.

O pré-fetichista nos deixa nervosos ou incomodados porque ele quer ter o cenário montado e é por isso que muitos fetichistas preferem estar com prostitutas, uma vez que elas não podem dizer algo do tipo: “Não, primeiro eu digo tal coisa e você responde outra, depois eu faço assim e você reage fazendo algo”.

D’Almeida: Como se dá a questão do “novo” no fetichismo enquanto fenômeno da modernidade? Segue a mesma lógica da moda?

Steele: Um dos paradoxos da moda fetichista é que a moda trata de novidades e adora novidades, mudanças e variações; ao passo que o fetichismo tende a ser altamente repetitivo, com as mesmas coisas acontecendo das mesmas maneiras. Daí haver uma certa contradição nos termos.

A roupa fetichista seria a mesma nos anos 1920, 30, 40, 50, 60, ao passo que a moda está sempre mudando e, especialmente, a moda pós-moderna, que é quase uma espécie de pastiche, tomando coisas de diferentes áreas, inclusive – é claro – de coisas do fetichismo, embora com objetivos muito diferentes daquelas roupas do fetichismo tradicional.

Além disso, a moda pós-moderna é, frequentemente, muito irônica e jocosa, enquanto que, no comportamento fetichista, há um quê de seriedade o que, paradoxalmente, também é um tipo de ironia.