A ópera de Bertolt Brecht e Kurt Weill que o Bob Wilson dirigiu para o Berliner Ensemble,temploda obra brechtiana e que está em cena no Sesc Pinheiros, se conjuga pela diferença de códigos. A adaptação daÓpera dos Mendigos,de John Gay, que inspirou Brecht-Weill, foi contaminada na recriação pelas teorias do dramaturgo alemão, e por sua vez revista pelo Berliner pela ótica formalista de Wilson. Tantos planos criativos, filtrados pela ação do tempo e pelo redimensionamento de linguagens, refluem nesta versão para uma totalfidelidadeao teatro de Brecht. Ao situar a ação nos anos 20, Wilson revestiu a narrativa, não só visualmente (o elenco, com maquiagem branca, adota figuras de cabaré de Berlim da época e tipos expressionistas dos filmes de Murnau), mas interpretativamente (gestos rí­gidos e movimentos exagerados estabelecem odistanciamento). Desta forma, o efeito demonstrativo se reveste em comentário, exatamente o pretendido por Brecht. A dramaturgia cênica de Bob Wilson com seus códigos sedimentados se encaixa ao protocolo ideológico sem perder qualquer de seus fundamentos. NaÓpera dos Três Vinténsdo encenador americano, a precisão da luz e som, elementos determinantes de sua estética, se afinam em plano de sofisticação irrepreensí­vel. Aféerieda iluminação, que é em si mesma cenografia, explode em sucessivos quadros, ora como linhas de abstraçíµes, ora como lembrança de antigas casas demusic hall.O contraste da frieza do néon com o insinuante colorido, em especial no final, quando surge a cortina vermelha, retira de quadros vivos uma supra-dramaticidade de força inegável. À atuação marcada por ruí­dos de passos ou na manipulação de objetos, acrescentam-se sons de velhos gramofones que acompanham algumas das cançíµes. A música de Weill valoriza-se por intérpretes com vozes sempre muito bem colocadas, transmitindo a contundência das letras, projetadas pela qualidade dos atores do Berliner. Cada um deles, de idades bem diferentes, como exigem os personagens, mostra a integridade técnica para interpretar um autor, do qual são os atuais depositários da seu legado, mas que se integram à maquinaria cênica de Bob Wilson com impegável adesão artí­stica.

Macksen Luiz

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