Poucas vezes vimos um desfile em lugar tão coerente. Os 20 looks da Fernanda Yamamoto nada ficaram dever às obras de arte e instalações de nomes como Valtercio Caldas e Regina Silveira, expostas na mesma sala do desfile. Porque eram verdadeiras obras de arte feitas por processos e técnicas de moda. Adorei ver a evolução e a seriedade com que Fernanda encara seu trabalho de estilo e confecção. Lembrei do outro Yamamoto, o Yohji, que também celebra a alfaiataria a seu jeito. E do Kansai Yamamoto, que se fantasiava de ninja e faria muito sucesso agora, com seus blusões de cetim _ mas este fazia um caminho bem diferente da elegância da Fernanda.
- Fernanda usa tecidos reciclados. Detalhes de camisaria que iriam para o lixo, por exemplo. Ourelas de tecido, fios de nylon
- Os bordados, feitos pela Savoir Faire, da Natalia Rios e do Gabriel Pesagno também são feitos de ruelas (ou arruelas) e paetês de borracha
- Sabem o que é crinol? Em séculos passados, era a armação daqueles vestidões, para dar volume. Depois, muita gente fez chapelaria, porque o material tem uma rigidez que dá certo nas abas largas. Pois agora, Fernanda deu o upgrade para o crinol, usando por fora, como basque nas vestes, como detalhes nos emaranhados das saias em camadas
- Tantos detalhes contam com a colaboração de muita gente, a começar pelas conversas com a professora Branca de Oliveira, o desenvolvimento de tecidos do Diego Gama e da Luciana Bortowski, a contribuição de Agustina Comas. Faço questão de citar os nomes, porque é um dos modos de trabalho da autora, ela pesquisa, conversa e convoca talentos
- São peças usáveis? SIM, por quem tem atitude para vestir. Uma capa de crinol com bordado de argolas de metal e pedacinhos de couro, é um momento especial, uma grande entrada em um ambiente. Em compensação, um corset de crinol super estruturado acompanha até um jeans.
- O colorido: preto, preto, preto. E todos os detalhes aparecem, graças às diferenças de texturas dos materiais
- Como ela define, são roupas-esculturas, baseadas na desconstrução da alfaiataria, com a contribuição de Fernando Jeon
- Marcante também a beleza, os cabelos curtos.
- E a música ao vivo, que completou o conceito muito pessoal da Fernanda Yamamoto. Thomas Rohrer na rabeca, Maurício Maias, na sanfona.
- Notaram que quase não descrevo a roupa? Porque o importante é este processo criativo, múltiplo, original. Definido pela Fernanda como “além do visível”
- E mais / como nada é perfeito, o texto de apresentação da Fernanda Yamamoto, escrito por ela, veio em letrinhas brancas, corpo 8 em fundo preto. Só com lanterna e lupa para conseguir ler os nomes da ficha técnica / o local da Pinacoteca é meio perigoso, segundo os locais. Mandaram tirar relógios, não falar em celular, entrar rapidinho no prédio. Mas a rua estava calma, nenhum ser suspeito de cobiçar as pobres posses da plateia que acordou cedo para chegar lá / orgulho gaúcho: Natalia Rios, dos bordados da Savoir Faire, é de Rio Grande!