Claudio Silveira, lí­der do Dragão Fashion, dá seu recado em relação à distribuição de recursos para desfiles de alguns nomes da moda brasileira:

Carta Aberta ao Segmento de Têxteis e Confecçíµes do Ceará,à Sociedade Civil e à Imprensa em Geral

por Claudio Silveira, diretor do Dragão Fashion Brasil

Sou um operário da moda brasileira. Sou, acima de tudo, um entusiasta, um sonhador e alguém que consegue manter-se com fé na nossa legitimidade. E foi para manter a moda na pauta que, há 15 anos, lançamos o primeiro Dragão Fashion Brasil, hoje principal evento de moda autoral do Paí­s.

Graças a sólidas parcerias, esse grande encontro da moda brasileira transcende o próprio formato inicial – restrito a desfiles – e estende seus tentáculos para as mais diversas áreas da cultura e da capacitação para a própria indústria da moda.

Incrustado em plena capital do Ceará, o DFB é um festival composto por ciclos de palestras com nomes vindos de todo o mundo; concursos de criação envolvendo Faculdades e Cursos de Estilismo e Moda Brasil afora; atividades de capacitação direcionadas para o segmento têxtil e confeccionista; exposiçíµes que ajudam a contar a história de nosso povo a partir das leituras diversas da moda. É, enfim, a celebração do nosso jeito de ser, de perceber e de retransformar a nossa realidade, utilizando a força criativa como moto contí­nuo de nossa batalha.

Há 15 anos, o Dragão Fashion Brasil mantém-se fiel a seu DNA e, mesmo à sombra de uma crise econômica internacional, continua reforçando seu caráter legitimamente brasileiro.

E é em nome do DFB que gostarí­amos de dividir algumas reflexíµes, motivadas, principalmente, pelos acontecimentos que marcaram os últimos dias e que merecem uma discussão mais aprofundada por todos os setores.

O vento está a favor. Mas como navegar em uma barca que parece furada?

Na última semana, grandes criadores/marcas brasileiras (Pedro Lourenço, Alexandre Herchcovitch e Ronaldo Fraga) receberam autorização para captação de recursos via Lei Rouanet.

Promulgada em 1991, a Lei Rouanet tem por missão facilitar o acesso do povo à cultura e fomentar o mercado cultural, através de isençíµes de tributos para patrocinadores. A primeira questão que surge, no caso acima citado, é a contrapartida efetiva que as três marcas beneficiadas podem apresentar para a cultura do nosso paí­s: o projeto de Pedro Lourenço prevê a captação de até R$ 2,8 milhíµes para dois desfiles em Paris; o de Alexandre Herchcovitch, R$ 2,6 milhíµes para se apresentar em Nova Iorque; já Ronaldo Fraga poderá captar até R$ 2 milhíµes para apresentar duas coleçíµes em solo brasileiro, no São Paulo Fashion Week, inspiradas em Mário de Andrade, João Cabral de Melo Neto e no artesão do Cariri, Espedito Seleiro.

Na contramão das marcas acima citadas, o Dragão Fashion Brasil vale-se de ferramentas como a Lei Rouanet para, captando muito menos que os valores em questão, realizar, em cada edição, mais de 30 desfiles (nacionais e internacionais), bem como palestras, exposiçíµes e toda uma infraestrutura para abrigar convidados, imprensa e público em geral, já que os desfiles são gratuitos. Envolvemos, dessa maneira, a população, a indústria e setores afins, como o comércio, o turismo e a cultura.

Não pretendemos entrar no mérito de cada marca ou em seu valor para a representatividade de nossa indústria sucateada. Nem mesmo expor indignação ao constatar que o valor autorizado para captação chega a ser quase 6 vezes maior que o necessário para a execução dos projetos com excelência.

O que pretendemos discutir é a situação atual de um mercado combalido e, quase sempre, à revelia de uma relação mais justa para com o Governo e suas tributaçíµes.

Em paralelo à polêmica anterior, os números apresentados na edição 2013 do Anuário da Moda do Ceará* são animadores: previsão de crescimento de 7,1% em volume para o setor de calçados; 4,6% para o segmento têxtil, incluindo fios, tecidos e malhas; e 8,3% para o setor de artigos confeccionados.

Ainda de acordo com o levantamento, o número de empresas têxteis e confeccionistas saltou, entre 2008 e 2012, de 1.441 para 1.704 – aumento de 18,2%. Os empregos formais gerados pelo segmento no Estado já chegam a 64,9 mil.

Pelo menos no papel – e os números sinalizam isso -, a indústria da moda cearense diverge bastante da realidade nacional, em que o segmento têxtil mingua a cada ano, perdendo espaço a cada dia para a informalidade.

Momento memorável no Dragão Fashion, a coleção montada como reality por Jum Nakao, em 2012

Mais respeito, por favor!

 

Precisamos, urgentemente, reavaliar os critérios para aprovação dos projetos; a paridade é um item legitimado pela própria Lei Rouanet – ou seja: qualquer um, inclusive pessoas fí­sicas, está apto a solicitar esse tipo de fomento para seus projetos – que deve ser discutido é a relevância das propostas apresentadas e o retorno social ou cultural que ela pode representar. Afinal, é para isso que nossos impostos devem ser direcionados. Parafraseando o posicionamento do site “Trendcoffee.cc”, acreditamos ser função do Governo “regular mercados e possibilitar ao produto nacional seu desenvolvimento e expansão, seja através de linhas de crédito disponí­veis, manutenção de câmbio, regulamentação do setor ou isenção fiscal”.

Por isso a importância de tornarmos cada vez mais transparentes e claros todos os processos que envolvem projetos que visam o estí­mulo a esse segmento fundamental para o crescimento do próprio paí­s.

Há 15 anos, o Dragão Fashion Brasil mantém-se na trincheira dessa luta: profissionalizando o mercado; proporcionando visibilidade para novos talentos; levantando a discussão e o debate em torno da nossa indústria.

Esse é um momento de mudanças estruturais em todas as camadas do nosso paí­s. Moda, mais do que um exercí­cio criativo, é um negócio e, como tal, merece o respeito e a consideração empregados a outros setores de nossa economia.

Para que continuemos a gerar milhares de empregos; a contribuir com milhíµes em impostos; e a alimentar o sonho e o desejo de uma economia atordoada por décadas de desrespeito, amadorismo e má vontade.

Nossa luta é legí­tima; nosso grito, pertinente. Merecemos ser ouvidos não por caridade, mas por relevância.

Diante dos fatos, gostarí­amos, em nome do Dragão Fashion Brasil, de abrir um canal direto com os meios de comunicação, para que possamos trazer essa discussão sobre a realidade da indústria do Ceará e do Brasil, aproximando-a para todas as esferas da sociedade civil.

 

*Fonte: Anuário da Moda do Ceará | Instituto de Estudos e Marketing Industrial – IEMI