Um dos chapéus que vão completar um look do desfile

No dia 11, quinta-feira, teremos um desfile que retrata o panorama da moda atual: o brechó Brechicafé vai mostrar na AABB parte do acervo de alta costura da Casa Canadá e de D. Mena Fiala, uma mestra da moda brasileira. É o contraste típico da nossa época, que demonstra a longevidade da roupa de alta qualidade e a visão dos garimpeiros que agitam os estoques dos brechós da cidade.

Léa Maria, uma das mais brilhantes editoras de moda com quem trabalhei como repórter e desenhista, escreveu o texto que relembra a importância de Mena Fiala. Desculpem, sempre tratei a estilista como senhora e dona – tinha que respeitar o talento!

à esquerda, uma pelerine do acervo de Mena Fiala

Mena Fiala:a moda dos Anos Dourados

 

Philomena Pagani Serelle foi uma moça filha de imigrantes italianos, de Petrópolis, que desde menina – juntamente com a irmã, Candida – se envolveu nas atividades de costura como era comum, entre as jovens, no início do século vinte.

Quando garotas, as duas vestiam bonecas. Depois, mocinhas, faziam chapeus e trabalhavam no ateliê de costura de Marietta Pongetti, modista famosa de sua época, na cidade da serra.

Quando Mena, como a chamavam os amigos, casou com o austríaco Anton Fiala mudou para o Rio de Janeiro. Conheceu então o empresário Jacob  Pekils, dono de uma loja de peles e de roupas finas e, de 1934 em diante, sempre junto com Candida, passou a dirigir a empresa que sobreviveu, durante décadas, às transformações radicais e às rupturas dos hábitos, dos costumes, da política, das modas – em resumo, das grandes reviravoltas da História do Brasil.

A Canadá só encerrou as portas, mais de 30 anos depois, e sempre sob sua administração, em 1966.

 

Mena Fiala é um dos ícones da moda brasileira, precursora de um estilo de vestir que, mesmo com a forte referência a alta moda francesa, já mostrava a cara da elegância luxuosa, desenvolta e típica do Rio de Janeiro – menos formal que a das paulistas, influenciada e liderada por outro ícone da moda nacional, a uruguaia Rosita, com a sua etiqueta Madame Rosita.

Em 1944 a Canadá se firmara como a primeira loja de alta moda no país e fez o primeiro desfile.

 

Casaco com gola de pele, como se usava nos anos 1950

No salão decorado de tons de cinza da Canadá, no Centro da cidade, Mena começou a produzir os requintados desfiles de moda, à tarde, como ocorria, na época, nos salões da alta costura de Paris. Era um programa novo para as cariocas abonadas: as modelos, contratadas full time, permaneciam à disposição para passarem os modelos das coleções para as clientes.

Vânia Pinto (depois de casada, Vânia Badin); Norma Bengell, depois atriz e cineasta de sucesso; Adalgisa Colombo, depois miss Brasil; a bela Geórgia Quental,  Maria Gracinda, Ilka Soares e a elegantíssima Lucia Curia, depois manequim exclusiva de Chanel, em Paris, e segunda mulher do empresário Walter Moreira Salles eram algumas dessas belas de classe média, as primeiras modelos profissionais que o Rio conheceu.

Na platéia, os mais influentes jornalistas da época: as cronistas Malu de Ouro Preto e Elsie Lessa, Maneco Müller – o Jacinto de Thormes- e Ibrahim Sued.

A mulher de Getulio Vargas, D. Darcy; D. Santinha, casada com outro presidente do país, Eurico Dutra, e D. Sarah Kubitschek foram primeiras damas clientes de Mena e da Canadá, a loja que no seu início se notabilizara como um negócio de peles finas, a única na cidade onde havia uma geladeira especial para abrigar os visons (a pele da moda nos anos 50, frágil para o nosso clima tropical) das milionárias comprados na Europa ou aqui.

Quando o costureiro Jacques Heim – então presidente da poderosa Câmara Sindical da Alta Costura Francesa – veio instalar sua maison no Rio, no roof da loja Mesbla, na Rua do Passeio,  a clientela da Canadá dividiu-se entre Heim e os modelos trazidos de Paris por Candida, que, valentemente, voava para a Europa cerca de cinco vezes por ano num tempo em que ainda não havia avião a jato e as viagens eram muito mais longas e desconfortáveis. Após o fechamento da Canadá, as duas irmãs criaram a própria etiqueta, Mena e Candida e seguiram em frente, sempre com as fieis e elegantes clientes e, então, com as filhas delas se vestindo e se casando com as suas criações.

Modelos de vestidos de passeiotailleurs severos, os tomara-que-caia com boleros bem curtos -, o best seller  inventado por Dior para consumir mais tecido, num esforço de pós-guerra, o new look. A cintura sempre de vespa, os drapeados à maneira de Mme. Grès, e outros, longos, fartamente rodados, com várias anáguas.

Vários de noivas, luxuosos, bordados a fio de ouro ou com pedras, em cetins grossos, shantungs encorpados, failles armados, ou em lãs leves importadas, gabardinas e alpacas, eram autênticas obras de arte, de tão intrincada a sua confecção comparando-os com a estética da moda livre de hoje.

Havia também os preciosos acessórios da Canadá. A maioria, vinda de Paris. Luvas de fina pelica (ou de cetim) de cano curto, médio e longo, essas abotoadas com dezenas de minúsculos botões. As meias finas de ligas novamente produzidas cuja fabricação havia sido suspensa durante a guerra, na Europa. As bolsas pequenas e estruturadas. As carteiras de seda precursoras das minaudières que ainda não haviam aparecido. E os chapéus, cloches e capelines de feltro e de palha Baku, com flores à moda dos que Ava Gardner lançava no cinema, nos filmes clássicos americanos. Naquela época, uma elegante não devia comparecer sem chapéu a um casamento, almoço, festa formal à tarde e nem viajar.

D. Mena ensinou a toda uma geração de mulheres da elite brasileira como se vestir com a elegância da época. Morta há pouco mais de 10 anos, ela deixou como legado uma coleção histórica de trajos produzidos por ela e pela irmã Candida, e a marca, também histórica, de ter criado e difundido o comércio do luxo no país.

Agora, peças que integraram o acervo da Casa Canadá e da etiqueta Mena e Candida, hoje de propriedade do Espaço Brechicafé, serão expostas no desfile de moda do dia 11 de julho, na passarela da AABB, na Lagoa. Será uma reedição do glamour dos anos 50 e 60 e uma releitura dos desfiles dos anos dourados.

Fotos: Raphael Lima
Manequim: Yael Fernandes